A embaixadora da União Europeia em Angola, depois de um prolongado, e conveniente, período de sonambulismo, apelou hoje ao respeito pelos direitos humanos e liberdade de expressão apesar das restrições impostas pela Covid-19, reconhecendo que existem “algumas preocupações” neste domínio que foram expressas junto do Governo angolano.
Jeannette Seppen falava após um encontro com o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, em Luanda, Francisco Manuel Monteiro de Queiroz, e que teve como objectivo avaliar a Estratégia Nacional dos Direitos Humanos e o seguimento das recomendações da Avaliação Periódica e Universal do III Ciclo.
No encontro anual da delegação da União Europeia com o Governo angolano foram (terão sido) tratados vários aspectos dos direitos humanos num diálogo que Jeannette Seppen considerou “muito rico”.
Entre os assuntos abordados foi focado o impacto da pandemia de Covid-19 em Angola, nomeadamente na saúde, economia e na liberdade de expressão e de reunião, mas também o plano de combate ao tráfico de seres humanos.
Só faltou mesmo, aproveitando o enorme guarda-chuva que tudo desculpa e justifica e que dá pelo nome de Covid-19, abordar o impacto do achatamento polar das batatas na produção de frangos, das chuvas na queda de pontes, da neblina na plantação de couves com a raiz virada para cima.
“Foi um intercâmbio muito aberto, muito rico”, afirmou Jeannette Seppen, assinalando que há a garantia (há sempre e pelo menos há 45 anos) da parte angolana de que os compromissos no que diz respeito aos direitos humanos vão continuar a ser respeitados.
Será possível continuar alguma coisa que não existe, de facto? Será possível continuar a mandar, como fez um célebre general das FAPLA (MPLA), atacar o Cuito Cuanavale por mar? Se calhar é…
“Nós expressámos as nossas preocupações e sublinhámos mais uma vez a importância do respeito dos direitos humanos, mesmo numa fase muito difícil que também nós passamos na Europa. Há mais desafios do que antes”, comentou a embaixadora da UE.
Jeannette Seppen realçou que certas liberdades, como a liberdade de expressão e de reunião não podem sair dos padrões internacionais e “têm de ser respeitadas”.
“Exprimimos com muita clareza as preocupações com os acontecimentos de 24 de Outubro e 11 de Novembro e o senhor ministro [da Justiça] respondeu de maneira muito positiva, dizendo que essas liberdades não desaparecem quando há desafios, têm de continuar a ser respeitadas”, indicou.
A responsável europeia sublinhou também que a polícia “tem de ser um serviço”, acrescentando que a União Europeia está disponível para apoiar a formação das forças policiais.
Em 24 de Outubro e 11 de Novembro duas manifestações em Luanda que tinham sido proibidas pelas autoridades angolanas, invocando as medidas vigentes na situação de calamidade pública, foram violentamente reprimidas pela polícia, com recurso a gás lacrimogéneo e uso de fogo real.
Um estudante de 26 anos foi assassinado a tiro na sequência de confrontos entre polícias e os grupos de jovens que queriam manifestar-se pela melhoria das condições de vida e eleições autárquicas em 2021, na passada quarta-feira.
A polícia garantiu ter usado apenas meios não letais e negou responsabilidades na morte do jovem, mas testemunhas que se encontravam no local garantem que Inocêncio de Matos foi baleado.
O relatório médico produzido no hospital Américo Boavida refere que o estudante morreu devido a uma agressão com um objecto contundente não especificado, mas a família rejeita estas explicações e o seu advogado anunciou que vai processar o Estado e a polícia angolanos.
Aqui no Folha 8 nunca ninguém ouviu chamar a uma bala um objecto contundente. Mas se o MPLA o diz…
Cooperação União Europeia/MPLA
A cooperação entre Angola e a União Europeia (UE) tem conhecido “mudanças qualitativas” com a introdução de métodos inovadores de relacionamento, afirmou no passado dia 8 de Setembro o ministro das Relações Exteriores de Angola, Téte António.
É de crer que por serem tão inovadores ainda não chegaram a Luanda. Consta que, devido à Covid-19, vêm de bicicleta mas que os pneus… furaram.
Segundo o governante angolano, que falava na abertura da 5.ª Reunião Ministerial Angola-União Europeia, por videoconferência entre Luanda e Bruxelas, no âmbito do programa “Caminho Conjunto”, o encontro teve em vista uma cooperação mais activa e participativa. Isto, é claro, desde que a UE aceite fazer o que o MPLA quer e este continue a fazer o muito bem entende.
“A República de Angola tem a UE como um parceiro importante para o seu desenvolvimento económico e social, consiste num modelo de cooperação de vantagens mútuas para o progresso e bem-estar das nossas populações”, afirmou Téte António que teve como interlocutor o Alto Representante para a Política Externa e Segurança Comum, Josep Borrel.
O ministro angolano deu conta de que a cooperação entre Luanda e Bruxelas, “não apenas caracterizada pela componente económica”, tem conhecido “mudanças qualitativas” com a introdução de métodos inovadores de relacionamento.
As relações entre Angola e a UE “são abrangentes, tal como a União Europeia o quer fazer com toda a África, se falarmos da futura cimeira da União Europeia e União Africana”.
A Agenda Nacional de Desenvolvimento da República de Angola, disse o governante angolano, “não assenta somente na necessidade de expectativas nacionais de crescimento, mas também nas oportunidades decorrentes da dinâmica económica regional” e da possibilidade de criação de parceria ainda mais estreitas e bem diversificadas.
“Continuamos engajados no nosso desejo permanente e franco de continuar a reforçar a nossa cooperação multiforme baseada no respeito mútuo”, concluiu.
A situação política e de segurança na África Austral e na Região dos Grandes Lagos, bem como no espaço da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), “com especial atenção para os assuntos políticos e de segurança”, foram temas da agenda.
O programa “Caminho Conjunto” Angola-União Europeia foi assinado, em Julho de 2012, em Bruxelas, com o intuito de reforçar o diálogo e a cooperação entre as partes.
Recorde-se que em 18 de Novembro de 2015, apenas, como esperado, com os votos do MPLA, a Assembleia Nacional manifestou “profunda preocupação” com as entidades europeias que, afirmou, pretendem denegrir a “imagem e o bom-nome” de Angola (na altura não se falou do artigo 333 do Código Penal), matérias que qualifica como “crime público pela legislação angolana”.
Como escreveu o Folha 8 nesse dia, talvez fosse altura de o regime apresentar queixa internacional contra o Parlamento Europeu e, no caso de algum dos seus membros entrar no país, detê-lo pelo tal “crime público”. Seria uma forma de mostrar aos europeus que essa coisa da liberdade de expressão e de informação, nem como de direitos humanos, não se aplica a Angola.
A posição do regime consta de uma resolução, em resposta a uma outra resolução do Parlamento Europeu – adoptada por maioria absoluta, em Setembro de 2015, sobre violação de liberdades e direitos humanos pela autoridades angolanas -, e que foi aprovada pela Assembleia Nacional, em Luanda, com 145 votos a favor (MPLA, no poder desde 1975), 27 contra e duas abstenções, estes da oposição.
O documento do regime, debatido sob forte contestação do partido dono disto tudo, o MPLA, considerando nomeadamente que a resolução do Parlamento Europeu pedia a libertação de pessoas suspeitas de crime contra a segurança nacional sem pronunciamento prévio dos tribunais, refere que o mesmo “viola flagrantemente os princípios da boa-fé e da não-ingerência nos assuntos internos, da igualdade de Estados”.
Continuamos a pensar que essa era a altura de citar o então embaixador itinerante do regime, Luvualu de Carvalho, e lembrar a Europa que os países de África já não são colónias europeias e, ainda, avisar a NATO para se portar bem se, é claro, não quiser levar porrada.
Acrescentava o MPLA que a resolução do Parlamento Europeu “é um acto unilateral, carecendo de legitimidade para com o Estado angolano e, em particular, com a Assembleia Nacional, única, legítima representante e defensora de todos os cidadãos angolanos”.
O Parlamento Europeu tinha aprovado em 10 de Setembro (2015) uma resolução sobre as “tentativas incessantes” das autoridades angolanas para limitar as liberdades de expressão, de imprensa e de reunião pacífica e de associação.
A resolução, que reuniu 550 votos a favor, 14 contra e 60 abstenções, além de destacar as limitações de liberdades, notou (coisa estranha) o nível de corrupção e as deficiências no sistema anti-branqueamento de capitais em Angola.
Mais uma vez os europeus meteram o pé na argola ao falarem de coisas que não existem em Angola. Onde terão eles descoberto que existe corrupção e branqueamento de capitais? Francamente. Todo o mundo democrático, a começar na Coreia do Norte e a terminar na Guiné Equatorial, sabe que nunca o Presidente do MPLA permitiria tal coisa. Conta, aliás, com o apoio do Titular do Poder Executivo e também do Presidente da República.
A resolução então aprovada pelo parlamento do regime sublinhava ainda que o documento europeu punha em risco as boas relações políticas e diplomáticas entre o Estado angolano e as instituições da União Europeia ou cidadãos dos Estados-membros.
O Parlamento Europeu foi exortado a respeitar as decisões e resoluções do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, instituído e aceite pelos membros da ONU e competente para analisar a situação dos direitos humanos a nível internacional.
Na resolução, os membros do Parlamento Europeu são convidados a visitarem Angola e as instituições, no quadro da cooperação parlamentar.
A resolução recomendou ao executivo angolano o reforço do diálogo entre o Conselho Europeu e a Comissão das Comunidades Europeias nos termos dos Acordos de Cotonou e do “Caminho Conjunto Angola-União Europeia”.
O Parlamento sublinhou que Angola é parceira da União Europeia desde longa data, relação guiada pelo Acordo de Cotonou no âmbito multilateral.
Ainda em Setembro de 2015, em carta endereçada ao seu homólogo europeu, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, repudiou a resolução tomada por aquele órgão.
Mencionando casos de jornalistas e activistas de direitos humanos, o Parlamento Europeu manifestou a sua “profunda preocupação com o rápido agravamento da situação em termos de direitos humanos, liberdades fundamentais e espaço democrático em Angola, com os graves abusos por parte das forças de segurança e a falta de independência do sistema judicial”.
No texto, os eurodeputados pediam às autoridades angolanas para “libertarem imediata e incondicionalmente todos os defensores dos direitos humanos” e prisioneiros de consciência ou opositores políticos “arbitrariamente presos”.
A moção instava ainda Luanda a garantir que não serão praticados tortura e maus-tratos contra os detidos, a realização de “inquéritos céleres, imparciais e exaustivos” sobre as alegações de violação de direitos humanos cometidos por forças de segurança.
Folha 8 com Lusa